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sábado, 21 de novembro de 2020

Silver Linings Playbook - O Lado Bom da Vida - contém SPOILERS

De modo totalmente desavisado li ao livro "O lado bom da vida" de Matthew Quick publicado inicialmente em 2008. Como o título não me era muito estranho lembrei do filme homônimo lançado em 2012, estrelado por Bradley Cooper e Jennifer Lawrence. Descobri que o filme fora baseado na obra de Matthew Quick. A atriz Jennifer Lawrence amealhou o Oscar de melhor atriz em 2013 por sua atuação no filme.
 
Assim sendo resolvi assistir ao filme novamente depois de finalizar a leitura do livro e assim ter uma impressão comparativa "quentinha" sobre as obras.
 
Pois bem, o filme modifica em grande parte a obra de Matthew Quick. Óbvio que não tenho como saber se o autor concordou com as alterações. Os contratos de uso de obras variam grandemente e se o autor fica satisfeito com o que recebe não tem porquê se cansar com mutilações de sua obra. Na verdade no mercado editorial depois que a editora compra os direitos de publicação de uma obra, ela se torna praticamente coautora devido a tantas alterações que pode impor. Autores para se proteger do poder financeiro das editoras não aceitam tudo que é estabelecido no contrato e assim atualmente há vários modelos de publicação que vai desde aquele em que o autor assume todos os custos e toda a direção, divulgação, promoção e até mesmo as vendas dos livros deixando somente a impressão para a editora até o outro extremo em que a editora paga pelos direitos e controla todo o processo, restando ao autor comparecer em feiras especializadas e leituras em livrarias para grupos de interesse. Normalmente autores de renome aceitam o segundo modelo mas retém alguma autonomia sobre a obra e autores novos para verem seu primeiro livro publicado terminam viabilizando a publicação pelo primeiro modelo. 
 
A esses modelos veio a modernidade dos livros digitais e grandes editoras entre as quais destaco a maior delas - a Amazon - que oferece a edição, publicação, distribuição e venda de livros na sua plataforma. Para se vislumbrar um pouco das possibilidades, se você tiver um manuscrito devidamente diagramado seu livro estará em até 72 horas à venda em todas as lojas nacionais da Amazon via internet. É como uma tempestade de mudanças num mercado difícil que é o mercado editorial. Essas mudanças favoreceram que autores publiquem seus livros e assim a quantidade de livros publicados é crescente e o mercado consumidor... bem o mercado consumidor precisa ser fomentado. Para saber mais sobre isso, a veja os vídeos do canal "Projeto Escrita Criativa".

Mesmo com as mudanças, há obras que fazem sucesso e a obra de Quick é uma delas. Fez tanto sucesso que só 4 anos depois se tornou base para um filme que no ano seguinte é premiado com um Oscar e indicado em várias outras categorias. Isso é um grande sucesso.

Pois bem, se o filme foi bem nas bilheterias, premiado, grande sucesso, tenho que dizer que o livro é muito melhor e realmente vale a pena lê-lo. Na verdade os livros são sempre melhores que os filmes pelo simples fato de ter muito mais tempo e espaço para trabalho o tema, personagens, narrativas, etc. Mas como o filme - Silver linings playbook é outra história, é diferente de que está no livro Silver linings playbook. 

As alterações se estendem do nome dos personagens aos eventos, das personalidades dos personagens a ordem dos acontecimentos. E nessa mistura há muita coisa que aparece e é comprimida no filme e não havia no livro e vice-versa. Não vou listar isso pois é muita coisa, vou me ater ao que acho mais importante - a personalidade de Pat Peoples.
 
Pat Peoples é um professor de história (34 anos) de uma escola secundária (um college) que está internado em uma instituição psiquiátrica em Baltimore depois de flagrar a esposa (Nikki) com um outro professor no banheiro de sua casa. Pat tem um surto psicótico tão forte que ataca o amante e o fere bastante. Para não ser condenado, aceita um acordo em que cede tudo o que tem, aceita também a ficar longe da esposa e tem que ficar internado. A esposa se separa à revelia e casa com outro. A internação dura 4 anos, mas Pat não retém a memória e para ele somente alguns meses se passaram, ele perdeu a memória pelo trauma. Pois bem Pat apesar do surto, de estar em lugar que ele define como o "lugar ruim", de querer genuinamente voltar para sua esposa, Pat é irritantemente otimista, ele muda totalmente seu modo de pensar e agir, rejeita toda ideia contrária ou que indique não retornar para sua esposa.
 
Sua mãe, Jeanie Peoples - a heroína da história na minha opinião - o retira do sanatório assumindo a responsabilidade por qualquer ato descontrolado do filho ainda com problemas, o coloca em sua casa a muito custo financeiro e pessoal. O pai de Pat é a antítese de mãe, não interage com os familiares, vive num mundo autocentrado e vê o filho como um doido de pedra. A família (menos a mãe) é torcedora fanática do time de futebol americano Philadelfia Eagles, essa fixação está presente no convívio família e é um forte catalisador social dos relacionamentos de Pat. Pat tem um irmão mais novo - Jake - que lamenta ter estado ausente no tempo em que ele ficou no "lugar ruim" mas se torna um importante apoio na recuperação de Pat.

Pat, apesar de eventualmente ter momentos de descontrole, de incerteza, de insegurança e impulsividade está fixamente focado em melhorar para retornar para sua esposa (no caso, ex-esposa) e para isso pratica exercícios diária e intensamente, tenta ser mais gentil do que estar certo. Procura interagir com as pessoas mas guardando seus reais pensamentos de cada momento com desconfiança e incerteza pois ele ainda vive à sombra do surto e da reserva, do preconceito de cada um que sabe que ele esteve internado por 4 anos. 
 
Outro fundamento para ser melhor marido é que Pat passa a ler os livros que Nikki ensinava, pois Nikki é professora de literatura. Pat lê e resenha as seguintes obras "Adeus às armas", de Ernest Hemingway,
"A letra escarlate", de Nathaniel Hawthorne, "A redoma de vidro", de Sylvia Plath, "O apanhador no campo de centeio", de J.D. Salinger (eu fiz a resenha deste livro aqui neste link), "As Aventuras de Huckleberry Finn", de Mark Twain. Pat fica à beira de um colapso ao ler livros em que os autores conduzem a história para fins totalmente infelizes e sem sentido, pois Pat não consegue olhar para o céu nublado e não perceber que por trás o sol brilha intenso e soberano. Aqui neste link há a transcrição da resenha de Pat sobre o livro de Hemingway. 

E assim tentando reconstruir a vida destruída por um surto que lhe tirou 4 anos de vida e a autonomia e sustentado por esses fundamentos - a mãe, o irmão, o terapeuta (Dr. Patel), os amigos torcedores dos Eagles, a Invasão Asiática (grupo de indianos fanáticos pelos Eagles) e a aquela que lhe resgata - Tiffany. Tiffany é o outro lado da história, também problemática e quebrada. Tiffany perdeu o controle de sua vida quando o marido morreu atropelado. Assim essas duas pessoas lutando com seus traumas vão se ajudando, insistindo em uma relação difícil, meio ácida, meio rústica mas que conseguem ver o lado bom da vida. Pat consegue superar a ideia que o fez lutar contra tudo para melhorar (que é voltar para a ex-esposa) e passa a melhorar para si mesmo e para Tiffany.  

Meu parecer é que é um ótimo livro, com uma ótima mensagem. Não devemos desistir da vida só porque enxurradas pode nos arrastar e destruir as frágeis bases nas quais nos apoiamos, devemos ver que além do céu tenebroso, o sol brilha intenso e veremos sua luz por fim.

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Livros citados
"Adeus às armas", de Ernest Hemingway;
"A letra escarlate", de Nathaniel Hawthorne;
"A redoma de vidro", de Sylvia Plath;
"O apanhador no campo de centeio", de J.D. Salinger
"O lado bom da vida", de Matthew Quick