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segunda-feira, 28 de julho de 2025

Klink e Shackleton

Capa do livro Linha d'Água de Amyr Klink
Livro de Amyr Klink
Capa do livro A incrível viagem de Shackleton
Livro de Alfred Lansing

 Li dois livros, de forma não intencional, Linha-d'Água de Amyr Klink no qual ele descreve décadas na construção de navios, viagens náuticas diversas, problemas e desafios da navegação oceânica em terra e no mar, enfim esse estranho mundo náutico neste planeta tomado de oceanos. E o outro foi A Incrível Viagem de Shackleton de Alfred Lansing no qual descreve a viagem empreendida por Ernest H. Shackleton em 1914 que visava atravessar o continente antártico mas tornou-se uma luta hercúlea pela vida em ambiente extremamente hostil. 

Os livros invariavelmente abordam a região austral e o continente antártico e navios. Apesar de não relacionados, dá para notar uma inquietação em Klink pela navegação, o continente antártico, o Sul da América, a sede da viagem da exploração que em Shackleton beira à loucura. Loucura no sentido de tentar o inédito, de ser o primeiro, da exploração mas que diante de obstáculos incontornáveis preserva a vida de sua tripulação com grandes sacrifícios. Coisas que no conforto do século XXI cheio de recursos jamais imaginados de comunicação, navegação, construção náutica, etc, é necessária coragem além do razoável para levantar recursos e empreender tal aventura.

Ao se deparar com as agruras enfrentadas pela tripulação de Shackleton e o quanto foram provados em dificuldades de fome, intempéries, doenças, risco de morte constante e ainda assim conduziram a expedição esperando o melhor no início mas depois que chegaram a região foi como se tivessem  comprometidos ao sacrifício de suas próprias vidas. Mas nenhum navegador se perdeu. Infelizmente esse espírito de explorador de Shackleton o levou à morte quando 5 anos depois empreendeu nova expedição e veio a falecer por ataque cardíaco aos 47 anos na ilha Geórgia do Sul. A esposa, Emily, pediu para que ele fosse sepultado na ilha mesmo, no que foi atendida.

Sepultura de Shackleton na ilha Geórgia do Sul
Sepultura de Ernest H. Shackleton em Grytyiken, Geórgia do Sul

Já Klink que fez seus relatos de paixão pela navegação, empreendimentos os mais diversos para viabilizar projetos com dificuldades enormes desde a falta de cultura náutica nacional, política, crises econômicas, fornecedores pouco profissionais, ainda assim construiu seus barcos e fez suas viagens transatlânticas, de circunavegação global, várias viagens à região austral. Klink tinha família e ele e sua tripulação se abalavam a regiões distantes e mesmo com os recursos dos anos 1990 por vezes ficava tempos sem comunicação seja por estar em regiões sem cobertura seja por tempestades vultosas e imprevisíveis. Mas ninguém se perdeu.

Tanto Shackleton quanto Klink guardadas as devidas diferenças e proporções são expoentes do wanderlust náutico ? Com certeza que são. Mas aqueles que viveram no mar é que de fato podem reconhecer o valor, a dificuldade, a vitória sobre os impossíveis que empreender tais projetos.

sábado, 25 de março de 2023

Náufragos, traficantes e degredados

Li dois dos quatro livros da coleção Brasilis de autoria de Eduardo Bueno que por si só uma figura revolucionária, entusiasmada e histriônica. Por um tempo acompanhei ele no seu canal no Youtube. Ambos os livros tratam dos eventos que envolveram a corrida náutica pelas rotas comerciais e que compreendem os feitos de exploração da costa africana, descoberta do caminho das Índias, descobrimento da América e do Brasil, circunavegação da Terra e a busca pela riquezas na região andina. Muitos personagens atuaram para toda a sucessão de eventos. Em geral as 3 décadas de 1500 a 1530 são resumidas em alguns parágrafos nos nossos livros didáticos e também é muito pouco explorado em produtos da cultura pop como filmes, séries, documentários aos quais em geral temos acesso.

Uma das dificuldades cruciais é a pouca quantidade de materiais historiográficos e muitas constatações terminam por serem cartas e documentos espalhadas pela Europa. Mas grande parte estava na Espanha e Portugal. Os documentos que estavam em Portugal parte foi perdida e parte encontrada, décadas e até séculos depois. 

Quero destacar alguns aspectos.

1. As viagens tinham um preço muito alto. E não estou falando de preço financeiro, pois este também era muito alto. Os governos não conseguiam financiar sozinhos as viagens, o custo era dividido entre a iniciativa privada e os governos em geral, ou totalmente custeado pela iniciativa privada e o governo fazia uma concessão. Cada país adotou modelos diferentes, sendo que os pais que estavam mais atrás optaram pela pirataria institucional. O custo maior ao meu ver era o custo humano pois nos que embarcavam em geral não retornavam. Eles recebiam adiantado o pagamento pela viagem e o pagamento ficava com a família. E em geral morriam por doença, naufrágio ou lutas.

2. Cada personagem tinha as atitudes muito diversa do que em geral pensamos. a) Os navegadores queriam sim desbravar mas partiam rumo ao desconhecido tendo que enfrentar situações as mais diversas, motins, emboscadas, perda de material, comprometimento da saúde etc. Quando voltavam com algum êxito eram cumulados de riquezas e títulos. Apesar dos atos de bravura em geral os navegadores eram homens cruéis, ambiciosos e tinham direito sobre a vida e morte dos tripulantes; b) Náufragos e degredados conseguem se adaptar nos novos locais e tornam-se homens poderosos e influentes. Tornando-se mui ricos chegaram a voltar à Europa para comparecer diante de reis e rainhas. Estes iniciaram a miscigenação no Brasil, pois não tinham critérios para se relacionar com as índias e assim terem muitos descendentes. c) Os índios que tiveram as atitudes mais diversas, algumas tribos sendo aguerridas e arredias, outras dissimuladas e outras amigáveis. Os índios ao contrário do que se dizia não aceitaram somente miçangas e bugigangas, rapidamente passaram a querer ferramentas e materiais dos europeus e sim trabalharam duro e foram escravizados mas houve também resistência.

3. Alguns personagens entretanto chamaram muito minha atenção como Caramuru, o Bacharel de Cananéia e claro o náufrago João Ramalho que praticamente foi o senhor do Brasil de fato sendo chamado de pai dos mamelucos e praticamente o pioneiro de São Paulo. João Ramalho dominava tribos e escravos, teve uma vida extremamente longeva (mais de 90 anos) e ativa.

4. Um outro personagem especial é o índio carijó Içá-mirim, filho do cacique Arosca. O navegador francês Binot Paulmier de Goneville veio ao Brasil em 1503 e aportou ao que se acredita na região que é hoje o Estado de Santa Catarina. Binot teve excelente recepção e convívio com os índios, o que levou o cacique a permitir que seu filho Içá-mirim (chamado Essomericq pelos franceses) foi levado para a Europa para aprender a civilização dos navegadores (armas principalmente) de modo quando voltasse pudesse se sobrepor aos inimigos. Infelizmente a viagem de volta foi cheia de percalços e prejuízos o que impediu Binot de voltar ao Brasil. Não podendo cumprir a promessa de retornar com Içá-mirim, Binot o fez herdeiro seu e o casou com sua filha. Içá-mirim ou melhor Essomericq teve vida longa na França (95 anos) e deixou 14 filhos.

5. Os pioneiros do descobrimentos buscavam a sobrevivência num mundo em que a força e as riquezas se sobrepunham e a vida era muito mais frágil mas também não ansiavam por muita glória. Os que os moviam era o desejo pelas riquezas e para isso eles pilhavam, escravizam, guerreavam, tomavam e matavam, tudo pela possibilidade de descobrir riquezas para seus patrocinadores.