segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Chernobyl - com spoilers


Resultado de imagem para imagens chernobyl hboEu realmente fiquei impressionado com Chernobyl (2019), da HBO (criada e escrita por Craig Mazin e direção de Johan Renck). Mesmo tendo gostado muito de série como Cosmos, True Detective e Game of Thrones, Chernobyl é especial porque aborda uma tragédia dos nossos tempos e apresenta como nosso mundo perde ou paga muito caro quando o ideário oficial é colocado acima de tudo. Aqui apresento as minhas impressões do acidente e da série com algumas informações que talvez que você se importar com spoilers fique avisado que há alguns no texto.


A série aborda com riqueza de detalhes impressionante os eventos que concorreram para o desastre atômico em Chernobyl - Ucrânia em 26 de abril de 1986. A sequência de erros, a cadeia de comando que funcionava - não para evitar o acidente e sim para provocá-lo. A série mostra com requinte de imagens e sons o susto quanto ao acidente, a incredulidade das pessoas envolvidas na operação da usina e a falta de ação sobre o que estava ocorrendo.

A série mostra o despreparo para sequer entender o acidente e tal despreparo foi originado da arrogância técnica e superioridade que a URSS tinha sobre si própria. É óbvio que este não foi a primeira grande mancada soviética, mas como em todas as outras o acobertamento dos fatos, a guerra de informação se impunha no sentido sempre de passar uma imagem positiva do governo soviético ainda que isso custasse muito dinheiro e vidas humanas.

Para se ter um vislumbre da megalomania soviética que não entendeu o que estava ocorrendo os sinais de que havia ocorrido um acidente nuclear foram divulgados pela Suécia que detectou a alta taxa de radiação vinda da região da Ucrânia. 

A série passa o entendimento que a documentação técnica sobre o reator era considerada sigilosa pelo que a KGB censurava e restringia o acesso de cientistas a documentação sob o pretexto de dificultar espionagem.

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A explosão deixou o reator exposto
A usina de Chernobyl ficava na verdade em Pripyat (distante 20 km da cidade de Chernobyl). Tinha 4 reatores do tipo RMBK-1000 que a época da construção da usina já eram considerados obsoletos. Esses reatores foram desenvolvidos com uma tecnologia de 30 anos antes, mas eram simples e claro mais baratos. 

Assim os velhos RMBK-1000 eram tidos como infalíveis porém possuíam um erro que ocorria em determinadas condições. Então em um teste de rotina as condições foram satisfeitas e o reator explodiu matando de imediato os operadores mais próximos. A explosão foi gigantesca, o núcleo do reator foi exposto pois a usina não tinha uma contenção básica que é requerido em usinas nucleares - uma cúpula de aço e concreto assim a explosão lançou uma quantidade enorme de material radioativo na atmosfera, ocasionando a morte imediata de alguns, gradual de operadores e moradores de Prypiat. Com o incêndio os bombeiros foram chamados para a morte - todos eles morreram por radiação ao longo de semanas.

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Mineiros chamados para conter o desastre
A conta de pessoas sacrificadas só cresceu pois o núcleo precisava ser selado. Então foram convocados mineiros, construtores e pilotos para lançarem areia e outros materiais de modo a cobrir o reator. Essas pessoas foram chamadas a colaborar por patriotismo e promessas de salários bem mais altos que o que se costumava pagar. A grande maioria não sobreviveu. Somente 36 horas após o acidente a população de Prypiat foi evacuada e uma área de 30 km de raio foi criada. A conta de mortes é incerta, há estimativas que até 2006 morreram entre 4 mil e 90 mil pessoas, tal amplitude aponta claramente para incerteza com relação aos número de mortos.

As consequências econômicas e políticas do desastre foram catastróficas. Houve contaminação de 23% da Bielorússia, 7% da Ucrânia e 1,5% da Rússia, essas áreas tiveram que ser abandonadas pela contaminação. Há uma estimativa do impacto financeiro pelo desastre entre 1986 e 2016 de 235 bilhões de dólares só na Bielorússia. A área de Chernobyl permanecerá contaminada e inabitada por 20 mil anos. Todos os países envolvidos diretamente tiveram gastos expressivos com saúde e contenção dos impactos. Do ponto de vista político o desastre contribuiu para a desintegração da URSS que vinha em crise desde os anos 70 e com a fracassada guerra do Afeganistão (1979-1989).

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O terror é tônica do desastre
Na série, porém, a história do desastre é tão cruenta que muitas vezes há um clima de filme de terror. Como espectador por várias vezes fiquei na expectativa que surgiria um monstro em algum momento, mas é somente o clima no qual a história se desenrola com tensão, terror e medo, porém nada mais é do que a descrição dos fatos do quais o escritor e diretor tentaram representar o mais preciso possível.

Ao final é apresentado o que ocorreu com os principais personagens da história. 
1. O físico russo Valery Legasov (Jarred Harris), principal responsável pela contenção do desastre suicida-se 2 anos após o desastre. Na série o suicídio de Legasov é o estopim que desencadeia as ações para divulgação do que realmente ocorreu na usina. 
2. A física Ulana Khomyuk (Emily Watson) é uma personagem fictícia que fez o papel de muitos cientistas que trabalharam para ajudar na solução do acidente. 
3. O político ucraniano Boris Shcherbina (Stellan Skarsgård), foi o político designado para conter o desastre junto com Legasov, morreu em agosto de 1990. 
4. O engenheiro ucraniano Anatoly Dyatlov (Paul Ritter) que supervisionou o teste que causou o acidente. Em 1987, Dyatlov foi levado a julgamento por falha em seguir regulações de segurança que levaram ao acidente e foi julgado culpado por negligência e sentenciado a dez anos de prisão. Ele foi anistiado e solto três anos depois. Dyatlov mais tarde escreveu um livro onde ele culpou falhas técnicas (como mal design da planta do reator) como a causa do acidente, ao invés de erro humano. Dyatlov morreu de insuficiência cardíaca, como consequência do envenenamento radioativo, em 1995.
5. Viktor Bryukhanov (Con O'Neill), era o gerente da usina, foi preso em agosto de 1986, passou um ano em uma prisão de Kiev aguardando julgamento; foi julgado e considerado culpado de violação grave dos regulamentos de segurança, condenado a 10 anos em um campo de trabalho mais cinco anos consecutivos por abuso de poder. Porém ficou somente 5 anos preso. Morreu em 2018 de razões não ligadas a radiação.
6. Nikolai Fomin (Adrian Rawlins), era o engenheiro chefe em Chernobyl, iria ser julgado junto com Dyatlov e Bryukhanov porém tentou suicídio e surto mental antes do julgamento sendo internado em uma clínica psiquiátrica.

Apesar dos que contribuíram para o desastre, várias pessoas se portaram com coragem, heroísmo e até com o sacrifício de suas próprias vidas tiveram o reconhecimento pelos seus atos. Há uma lista neste link (Known Deaths due to Trauma and Radiation Sickness) com 31 pessoas das quais 28 foram laureadas com medalhas reconhecendo seus atos de coragem. 

Por fim a série fecha no seu 6º episódio asseverando que a verdade é a principal vítima diária e contínua eventos como esses. A verdade é silenciada, sacrificada, falsificada continuamente até que o desastre explode tanto pela desídia dos envolvidos.

   
Referências:
ALEKSIEVITCH, Svetlana. Vozes de Tchernóbil: a história oral do desastre nuclear.
Nova cúpula de segurança para reator de Chernobyl é inaugurada. Para acessar, clique aqui.
Chernobyl accident and its consequences. Para acessar, clique aqui [em inglês].
Chernobyl disaster: why are the consequences still observed and why is the international assistance still critical? Para acessar, clique aqui [em inglês].
Chernobyl Nuclear Accident. Para acessar, clique aqui [em inglês].
The Chernobyl accident. Para acessar, clique aqui [em inglês].