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domingo, 28 de novembro de 2021

As 17 equações de Ian Stewart

Todo livro que aborda temáticas científicas, principalmente as que envolvem aspectos matemáticos um pouco mais avançados, tem que se propor a simplificar para conquistar o máximo de público. Esses livros terminam tendo uma vocação de iniciação científica e alguns viraram best-sellers tais como o "Uma breve história do tempo" de Stephen Hawking e "Cosmos" de Carl Sagan. Porém nenhum desses dois se aprofundam nos conceitos matemáticos. Livros de Química e Biologia em geral tem públicos muito específicos, os de Biologia são mais abrangentes pois conseguem tocar em temas mais atraentes, já os Física tem bastante apelo mesmo não conseguindo fugir totalmente da Matemática, tendo que abordá-la en passant. A título de exemplo, li Antifrágil de Nassim Taleb (apesar de não ser sobre Química, Biologia, Física ou Matemática) e ele deixa bem claro que a parte matemática mais avançada está detalhada em alguns capítulos e que o leitor pode evitar sem perda do entendimento dos assuntos abordados. Este aviso é porque ele não conseguiu deixar a parte de cálculo no nível de entendimento mais geral.

Já os livros sobre Matemática não tem como fugir de conceitos e cálculos, mas ainda assim os autores são criativos e conseguem apresentar o conteúdo de modo lúdico. Mesmo não listando todos e os melhores já escritos, posso citar alguns que já li: "O homem que calculava", de Malba Tahan, "O diabo dos números" de Hans Magnus Enzensberger, "20.000 léguas matemáticas", de A. K. Dewdney.

Já as "17 equações que mudaram o mundo" de Ian Stewart "mergulha" na Matemática, tentando uma boa narrativa para apresentar os conceitos didaticamente. O autor porém não faz feio e recorre a uma poderosa ferramenta de ensino - a história. Ian Stewart conta na medida do possível o que significa a equação, porque a equação é importante e o que se desenvolveu através da equação. Apesar de cada uma das equações ter origem e contexto no qual se desenvolveu, quase sempre suas consequências maiores se deram em áreas diferentes daquelas que originalmente foram deduzidas, como foram as equações de onda e a Transformada de Fourier. 

A Transformada de Fourier foi originalmente proposta para tratar do comportamento do calor em relação ao tempo porém a versatilidade da equação extrapolou e hoje tem uso amplamente difundido para processamento de imagens, compressão de dados, tratamento de áudio, análise de terremotos e de estruturas moleculares tais como a do DNA.

Ian Stewart deixa claro que as 17 equações não são unânimes, são 17 equações que ele escolheu - seja por questão editorial, seja por condições de comunicação. Todas porém tem sua importância cumulativa, contribuindo para o avanço da humanidade em amplas áreas. Com certeza cada um de nós teria suas equações mais significativas e que nos acompanham no dia a dia. Ao meu ver o que chamamos Teorema de Pitágoras (ou Teorema Gougu - a equação era conhecida dos indianos, mesopotâmios e chineses antes de Pitágoras) é a mais popular equação matemática e de amplo uso. 

Todas as 17 equações são famosas, mas quero destacar a última equação abordada pelo livro - a equação de Black-Scholes. 


Esta equação se propõe a: "descrever como o preço de um derivativo financeiro varia com o tempo, com base no princípio de que quando o preço está correto, o derivativo não traz risco e ninguém pode lucrar vendendo-o a um preço diferente". Ela envolve cinco grandezas distintas: o tempo t, o preço S da mercadoria, o preço V do derivativo, que depende de S e de t, a taxa de juros livre de risco (o juro teórico que pode ser gerado por um investimento com risco zero, tal como letras do governo) e a volatilidade σ² da ação.

Pois bem, a vida de milhões de pessoas foram afetadas pela crise do subprime de 2008, graças ao uso ganancioso, desmedido e criminoso desta equação. A crise do subprime de 2008 foi de alcance mundial e está amplamente abordada em filmes, documentários e livros (lista no fim do post) que analisam sua origem, seu desenvolvimento até seu auge. A crise foi provocada pela crescente oferta de derivativos no mercado de capitais. Derivativos são contratos que derivam a maior parte de seu valor de um ativo subjacente, taxa de referência ou índice. O ativo subjacente pode ser físico (café, ouro, etc.) ou financeiro (ações, taxas de juros, etc.), negociado no mercado à vista ou não (é possível construir um derivativo sobre outro derivativo). Os operadores do mercado financeiros (bancos e corretoras em sua maioria) sempre buscaram a minimização de regulação por parte dos governos e tiveram as regulações diminuídas no governo de George W Bush (2001-2009). As empresas financeiras puderam pois operar recursos que não tinham a níveis altíssimos criando uma bolha financeira insustentável. Como era de se esperar a bolha estourou, muitas instituições quebraram, uma grande crise se interpôs, determinando perda de empregos, perca de capacidade financeira das pessoas ao redor do mundo. E o pior de tudo é que os principais culpados não foram devidamente punidos. Por fim os operadores financeiros alegaram que precisavam das regulações que foram revogadas e jogaram a culpa no governo que as removeu.

Voltando ao que nos interessa a equação de Black-Scholes deu o substrato matemático para a oferta de derivativos e criou uma onda financeira que avançou pelo mundo afora despertando a ganância que há nas almas para ganhar dinheiro rápido e fácil. Essa onda avançou pelos países em tempos de diferentes. Aqui no Brasil explodiu com a tríade de 1. acesso facilitado ao mercado de capitais via internet; 2. Fintechs, corretoras e robôs de investimentos; 3. Oferta de trabalho de trader. Essa combinação usada de modo indevido pode levar a subversão da vida de qualquer pessoa empregada ou não que vá desavisadamente descendo ao abismo das ofertas de ganhos fáceis. É um caminho que muitos entram e poucos vencem.

Então essa equação teve todo este destaque pelo mal que se sucedeu ? Não ! A equação de Black-Scholes foi concebida para propiciar um grau de racionalidade ao mercado de futuros, e efetivamente o faz em condições de mercado normais. Ela provê um modo sistemático de calcular o valor de uma opção antes que ela amadureça. Se utilizada com critério e cautela, funciona corretamente, dando os resultados esperados. 

O que nos leva ao aspectos de que as equações matemáticas não trazem só benefícios, ações erradas podem ser tomadas e prejudicar a todos, espera-se que no longo prazo o melhor uso se estabeleça gerando benefícios amplos e difusos.

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Artigo da Wikipedia sobre Ian Stewart e sua lista de trabalhos e livros publicados.

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Lista sobre a crise do subprime de 2008:

Documentários: Collapse (2009), The last day of Leahman Brothers (2009), Inside Job (2010)The flaw (2011).

Filmes: The Company Men (2010), Margin Call (2011), Too Big to Fall (2011), The Big Short (2015).

Somente alguns livros sobre o tema (títulos originais, para versão em português busque na internet): Freefall de Joseph Stiglitz (2010), The Big Short de Michael Lewis (2010), Bailout de Neil Barofsky (2012), Diary of a Very Bad Year (2010), This Time Is Different de Carmen Reinhart, Debt: The first 5,000 Years de David Graeber (2014), Union Atlantic de Adam Haslett (2010), The Financial Lives of the Poets de Jess Walter (2009), The Grief of Others de Leah Hager Cohen (2011) e The Privileges de Jonathan Dee (2010).

sábado, 28 de agosto de 2021

Antifrágil, de Nassim Taleb

Edição de 2014
Li "Antifrágil". Apesar de na minha avaliação ser um bom livro, eu não fiz uma leitura de qualidade, demorei muito na leitura, intervalando muitos dias na leitura dos capítulos. Creio que isso tenha prejudicado a leitura porém ainda assim é livro que merece um comentário mais demorado. Os capítulos não são tão longos ou excessivamente técnicos que dificultassem a leitura, foi mais falta de disciplina pessoal. Porém ainda assim vi virtudes no livro.

Antifrágil de Nassim Taleb foi publicado em 2012 e desde o primeiro momento trabalha as definições do seu arcabouço de termos que usa ao longo do livro. A principal definição é "Antifrágil" que ele revisita ao longo de todo o livro. Antifrágil não é o contrário de frágil. O contrário de frágil é robusto. Tudo que tem boa resistência ou resiliência pode ser classificado como robusto. Antifrágil é tudo que melhora com as dificuldades, crises, problemas, tudo que se beneficie de situações contrárias e difíceis. Ao percorrer os capítulos Taleb usa termos associados como mitridificação, hormese, convexidade, concavidade, iatrogenia, estratégia barbell, assimetria favorável, academicismo, senso comum, etc. Eventualmente Taleb cita o "cisne negro" termo que veio de outro livro dele "A lógica do cisne negro" (The black swan) lançado em 2007. Há uma ligação entre as duas publicações. Em "A lógica do cisne negro", Taleb trabalha principalmente aleatoriedade e imprevisibilidade. Basicamente deixa claro que por mais informações que temos há um eventos aleatórios que simplesmente não conseguimos prever tais como os cisnes negros. No passado todos os cisnes eram brancos até que apareceu cisnes negros evento que surpreendeu a todos e todo evento de grande impacto não deixa de ser um cisne negro como o ataque de 11 de setembro de 2001, a crise do subprime de 2008, ou pandemia do Covid19. Pois se fosse possível prevê-lo o evento teria sido pelo menos mitigado. 

Edição de 2020

Em "Antifrágil", Taleb tenta mostrar que a melhor forma de fortalecer a si próprio, fortalecer empresas, instituições e a sociedade é se expor a estresses (problemas, dificuldades, crises, etc) crescentes, graduais e contínuos. Essa exposição e mais a recuperação do dano, associado a opções de redundância levará a antifragilidade. Taleb afirma que virá uma evolução constante desses caos múltiplos de vida, luta e morte. No curto e médio prazo, os indivíduos se tornarão mais fortes, porém os indivíduos passarão pois não são eternos, mas no longo prazo a humanidade prevalecerá. Há vários exemplos no livro e vou citar só exemplo de que grandes incêndios em florestas são evitados pela ocorrência de pequenos incêndios frequentes em áreas pequenas que consumem o material mais combustível e que não se espalham e dessa frequência de baixa intensidade é que um evento maior não ocorre.

Como só temos uma vida e ela é finita, a nós nos interessa a nossa própria vida, assim Taleb indica a mesma receita: estressar o corpo e a mente, recuperá-los e repetir o ciclo. No que diz a vida pessoal Taleb vê com desconfiança inovações nos tratamentos de saúde que implicam em risco para os pacientes e benefício pessoal ou financeiro para os médicos. Cirurgias eletivas devem ser seriamente analisadas. Novos hábitos e tratamentos podem ser prejudiciais até que se confirmem realmente benéficos. Por exemplo: o tabagismo foi muito incentivado antes de provar realmente maléfico.

Taleb valoriza todas as antigas práticas das sociedades como práticas que permaneceram e que favoreceram a melhoria e a longevidade. Taleb é crítico ferrenho do academicismo que despreza o senso comum, conhecimento vindo da vivência e da tentativa e do erro (mentalidade Soviet-Harvard). Tais academicistas repetem continuamente que os problemas serão resolvidos com mais pesquisas e teorias, porém suas teorias não se verificam pela realidade aleatória do mundo.

Na verdade Taleb debocha e despreza experts, conselheiros, analistas de mercado, agentes de governo ou que trabalham em órgãos de governo que não estão comprometidos com suas decisões ou conselhos. Taleb cunha o termo "Síndrome de Stiglitz" em referência a Joseph Stiglitz que fez análise super favorável antes da crise do subprime de 2008. E pior além de levar ao erro e a prejuízos esses especialistas depois são laureados, reconhecidos e recompensados. Taleb parece aprofundar esta temática em seu novo livro de 2018 "Arriscando a própria pele" (Skin in the game) que não li, mas a associação é evidente.

Antifrágil vale a leitura !!

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Referências:

Antifrágil (Antifragile)

A lógica do cisne negro (The black swan)

Arriscando a própria pele (Skin in the game)