sábado, 6 de dezembro de 2025

"One Battle After Another" e a revolução que sacrifica as pessoas que pretende libertar


Pôster do filme 'One Battle After Another' sobreposto por duas faixas de alerta diagonais nas cores amarelo e preto (uma no canto superior e outra no inferior), contendo a frase repetida '- SPOILERS ALERT -'. A imagem de fundo apresenta um close do perfil de Leonardo DiCaprio em tons alaranjados, fundido com a imagem de uma mulher correndo em uma estrada desértica segurando uma arma e algemas
Poster do filme
Este post contém spoilers do filme. Se tiver problemas com isso, leia outro post. 
Eu assisti inicialmente com alguma curiosidade e depois com espanto "One Battle After Another" cuja a síntese no IMDB enfoca a reunião de revolucionários para salvar a filha de um deles da perseguição de pessoas poderosas. Um filme em geral é uma obra bem construída que envolve o trabalho de muita gente (de produtores, roteiristas, diretores, atores, pessoal técnico - luz, som, figurino, maquiagem, dublês, e depois pós-produação) e por fim é emitido um manifesto e se destaca a mensagem que se quer apresentar e convencer. Ou seja nunca é algo descuidado, ou pelo menos não era para ser. Apesar de haver a perseguição destacada pela síntese do IMDB, ela é bem fantasiosa. Então vamos às inconsistências que julgo tornarem "One Battle After Another" um filme que podia ser bem melhor.
Primeiro que ao apontar estes pontos que julgo serem falhos, não quero de modo algum dizer que o filme é mal feito, até onde puder perceber assistindo somente uma vez não tem erros de continuidade e aquelas falhas que eventualmente passam desapercebidas nas pós-produção. Mas vamos ao que quero destacar.

Inicialmente não é ponto falho, mas só uma curiosidade, aparentemente todos os principais personagens são desempenhados por atores e atrizes alinhados com pautas progressistas no mundo, é quase uma panelinha de amigos de partido. Mas ok, isso não é problema, trabalhar com pessoas com as quais se tem mais identificação deve ser positivo.

Vamos aos pontos de fraqueza. 
1. Os membros do grupo revolucionário (terrorista ?) French 75 (fictício ou não?) resgatam imigrantes que são presos pelos EUA em locais de detenção, atacam comitês de políticos contrários, assaltam, roubam, sabotam aparentemente de forma impune, são descuidados em mostrar rostos e deixar pistas. Conseguem com relativa facilidade armas, equipamentos e dinheiro para suas incursões. Para mim é bem estranho um grupo descuidado atuar sem ser incomodado. 

2. O único incômodo é Cel Steven J. Lockjaw que até tem chance de interceptar o grupo mas não o faz para realizar a tara sexual com Perfídia, a revolucionária-mor. É uma baita de uma inconsistência, o militar perseguidor, responsável pela segurança e por caçar o grupo terrorista, abandona usa função atraído pela revolucionária cujo maior traço de personalidade é não seguir qualquer regra. Pois bem a revolucionária aceita a proposta do militar e o satisfaz ainda que seja uma única vez.

3. Perfidia, rebelde, sem contenções, sem amarras, sem se encaixar em qualquer estereótipo social fica grávida e ao contrário do que defende e promove (fazer um ab0rto) decidir ir até o final da gravidez, pois por incrível que pareça ela tem uma relação estranhamente estável com Pat ou Bob (ele usa vários nomes no filme). Ela decide ter uma criança de um homem que é tudo o que ela mais odeia e luta contra.
Pôster do filme 'Uma Batalha Após a Outra'. A imagem central mostra uma mulher em um campo aberto, vestindo gorro, calças militares e uma camisa xadrez aberta que expõe sua barriga de grávida, enquanto dispara uma metralhadora pesada. No topo, em letras vermelhas, estão os nomes do elenco: Leonardo DiCaprio, Sean Penn, Benicio Del Toro, Regina Hall, Teyana Taylor e Chase Infiniti. O título aparece em destaque no centro
Perfidia atirando com uma arma de grosso calibre e gravidíssima

4. Após dar a luz a uma menina, Perfidia não consegue ter qualquer sentimento maternal com a criança e entre ciúmes, arrependimentos e insatisfações larga a família e cai nas ações de terror novamente. Assalta, mata pessoas inocentes em nome da revolução contra a sociedade, os poderosos, os capitalistas, etc.

5. Perfidia é presa pelo mesmo Lockjaw e ao contrário do que se esperava ela canta feito um passarinho, entregando os companheiros. Lockjaw aproveita e mata alguns e prende outros. Lockjaw coloca Perfidia no programa de proteção, achando que ela vai se tornar a esposinha devotada dele. Ledo engado, Perfidia volta a ter um comportamente compatível com uma revolucionária. Foge, deixando a nova identidade recebida e não aparece mais no fim do filme, meio que vai revolucionar outras partes do mundo. Pat foge com a criança, passa a usar o nome de Bob e começam as inconsistências de novo.

6. Para um grupo revolucionário tão ativo e descuidado, o French 75 tem uma rede de apoio estabelecida para prover fugas e apoiar os membros, usam técnicas para não serem rastreados, utilização de tecnologias analógicas para acobertar e desaparecer de buscas policiais, técnicas de identificação de outros membros, central telefônica para suporte com senhas definidas em manuais. Espantoso para o grupo tão inconsequente que entrega os membros no primeiro aperto.

7. Bob (que não é o pai biológico) cria Charlene por 16 anos sozinho e ela se torna uma garota maravilhosa. Mais comprometida e responsável que o próprio pai que com o passar dos anos, a perda de companheiros, isolamento passa a abusar em álcool e drogas (esta parte é bem fiel a realidade) claro que ele fica enferrujado e vulnerável. Coloquei como inconsistência, mas é uma das coisas mais razoáveis no filme. O que é inconsistente é Bob com a cabeça e corpo comprometidos conseguir passar por toda a sequência de ação que a fuga vai requerer.

8. Lockjaw, nos 16 anos que se passaram, ascendeu na hierarquia. Quer entrar num grupo, num clube de extremistas supremacistas e percebe que a possibilidade de ser pai de uma filha mestiça pode impedir a entrada no clube. Então ele começa a perseguição a garota. Tal grupo é uma fantasia - talvez mais fantástico do que o French 75. Mas de modo estranho Lockjaw começa a caçada e descobre Bob e a filha numa cidade pequena vivendo discretamente, e que mesmo com a ajuda da comunidade da cidade e do French 75 são encontrados.

9. Depois de muito embates, lutas, feridos e mortos, Lockjaw faz um teste de DNA e confirma a sua paternidade sobre a garota. Lockjaw parece impiedoso, tem muito poder, mata pessoas sem vacilar, mas não consegue matar a filha que não criou e por quem não parece ter nenhum sentimento. Delega a função a um matador que de cara diz que não mata crianças. É um matador cheio de princípios.

10. Numa parte do filme são apresentadas freiras negras que vivem num convento bem ascético e recluso, vivendo do que plantam e plantam maconha, e fumam maconha e usam armas automáticas em campos de tiro, por quê ? Porque a bandeira de ser alternativo tem que ser hasteada e tremulada para a audiência. 

O restante dos eventos julgo razoáveis dados pontos que listei acima. A garota escapa, mata um perseguidor, é encontrada por Bob. Eles fogem novamente. Lockjaw tem sua entrada aceita no grupo mas é morto pelo grupo que sabe que ele não atende aos critérios para fazer parte do mesmo. É o fascista sendo morto pelos fascistas.

E assim termina "One Battle After Another", com aquele gostinho de vitória sobre os vilões e povo que luta contra os opressores (ainda que matem alguns inocentes) sobrevive para contar a história. Mas que claramente ambos os grupos são extremistas e desconsideram a vida dos outros, dos que não concordam com seus posicionamentos. E esses extremismos são muito ruins e por isso posso dizer que é filme é péssimo.

domingo, 17 de agosto de 2025

Tornando posts acessíveis com IA

Baseado em um post do MeioBit (blog de tecnologia e muito mais) que aborda uma funcionalidade pouco usado em páginas de internet - que é fazer a descrição da tag ALT do HTML onde há imagens e outros elementos de mídia. A tag ALT é essencial para acessibilidade de pessoas que possuem limitações visuais. Essa tag sendo descrita os softwares que leem as páginas HTML podem descrever os conteúdos das páginas de modo muito mais detalhado e assim "enriquecer a experiência" do usuário. Mas normalmente esta tag não é descrita pois normalmente os editores não a completam, dependendo do editor é necessário inclui-la direto no código HTML (como é o caso aqui do editor do Blogspot).

Eu vi importância em preencher a tag ALT e por isso passei a sempre incluir a descrição. Mas na minha simplicidade eu fazia um texto rápido, podemos dizer até rasteiro. Então eu li este artigo no MeioBit , que apresentava uma ferramenta de IA que produz ótimos textos para a tag ALT. O texto explica o problema, mostra como é complicada a vida em redações de portais e quanto se perde em não preencher a tag ALT. A ferramenta utilizada, na verdade, um conjunto de nodes do ComfyUI. A combinação desses nodes é formada pelo Florence2 que é um modelo de visão computacional que reconhece os elementos da imagem; o ComfyUI Translator que basicamente traduz os textos entre várias linguagens; o  ComfyUI Custom Scripts e para amarrar esses nodes tem o BabelPeixe que é um script que usa os nodes ComfyUI. Este conjunto forma a solução e é bem eficiente, porém o uso não é tão fácil para um usuário médio, pois é necessário fazer algumas instalações, módulos, scripts, python, etc. 

Eu estava disposto a passar por todo esse processo para usar a ferramenta e verificar o quão boa ela era, mas do nada eu pensei - porque não colocar a imagem para os modelos de IA tradicionais fazerem a descrição... pois bem eis a comparação entre os resultados obtidos.

Esta é a imagem base que será avaliada:

Montagem humorística em que dois personagens do filme Crepúsculo, um jovem de cabelos castanho-avermelhados sorrindo e uma jovem de cabelos longos castanhos conversando, estão sentados juntos ao ar livre, enquanto ao fundo aparece Blade, personagem de filmes de ação sobre caçadores de vampiros, observando a cena de pé com expressão séria e usando óculos escuros, sobretudo preto e armadura

Está é a descrição obtida pelo BabelPeixe: "A imagem mostra dois jovens, Robert Pattinson e Kristen Stewart, sentados em um banco em um parque ou jardim. Ambos estão usando jaquetas pretas e parecem estar envolvidas em uma conversa. Robert está no lado esquerdo da imagem, com as mãos apertadas na frente dele. Kristen está sentada ao lado dele, com as mãos descansando em seu colo. No fundo, há um homem vestindo um casaco preto e óculos de sol, que parece ser um personagem da saga de Twilight. O céu está nublado e há árvores ao fundo."

Submeti a imagem ao Gemini (2.5 Flash) e obtive o seguinte resultado: "A imagem mostra uma montagem de três personagens. No centro, Edward Cullen e Bella Swan, da saga "Crepúsculo", estão sentados em um ambiente de floresta, olhando um para o outro e conversando. Bella tem uma expressão séria, enquanto Edward sorri para ela. Ambos estão vestidos com casacos escuros. Ao fundo, à esquerda, o personagem Blade, do filme homônimo, está de pé, parecendo observar o casal com uma expressão séria. Ele usa seu característico casaco de couro preto e óculos escuros. A imagem é uma junção de dois universos, criando um contraste humorístico entre o romance de "Crepúsculo" e a ação de "Blade"."

Já o ChatGPT deu a seguinte resposta: "Montagem humorística em que dois personagens do filme Crepúsculo, um jovem de cabelos castanho-avermelhados sorrindo e uma jovem de cabelos longos castanhos conversando, estão sentados juntos ao ar livre, enquanto ao fundo aparece Blade, personagem de filmes de ação sobre caçadores de vampiros, observando a cena de pé com expressão séria e usando óculos escuros, sobretudo preto e armadura."

Qual o melhor ? Na minha visão o BabelPeixe não foi mal, mas tanto o Gemini quanto o ChatGPT foram melhor. A título de exemplo eis a análise de uma imagem do post anterior pelo Gemini.

A imagem, em preto e branco, mostra uma fotografia vertical de Jorge Luis Borges. A foto foca em seu rosto e ombros. Ele está sentado, com a cabeça levemente inclinada para trás e para a direita. Seus olhos estão fechados e ele sorri de forma espontânea, parecendo rir. O escritor usa um terno escuro sobre uma camisa branca e uma gravata. Ao fundo, um borrão desfocado com listras verticais escuras e claras, que pode ser uma cortina ou a estampa de um móvel. A imagem transmite um momento de alegria e descontração do famoso autor.

"A imagem, em preto e branco, mostra uma fotografia vertical de Jorge Luis Borges. A foto foca em seu rosto e ombros. Ele está sentado, com a cabeça levemente inclinada para trás e para a direita. Seus olhos estão fechados e ele sorri de forma espontânea, parecendo rir. O escritor usa um terno escuro sobre uma camisa branca e uma gravata. Ao fundo, um borrão desfocado com listras verticais escuras e claras, que pode ser uma cortina ou a estampa de um móvel. A imagem transmite um momento de alegria e descontração do famoso autor."

Concluindo... os modelos de IA no meu parecer são mais eficientes e fácil de usar do que o BabelPeixe. Porém num cenário em que muitas imagens teriam que ser descritas, ferramentas como o BabelPeixe podem sim ser uma opção bastante válida.

=========

Link do BabelPeixe no Meiobit: https://meiobit.com/466066/babelpeixe-usando-ia-em-prol-da-acessibilidade-e-do-seo

Documentação da tag HTML <img> alt - https://www-w3schools-com.translate.goog/tags/att_img_alt.asp?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=tc


quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Ficções, de Borges

Capa do livro Ficções de Jorge Luis Borges
"Capa de Ficções" de Borges

Finalmente li um livro de Jorge Luís Borges, escritor argentino, aliás argentino de vários ofícios (poeta, crítico, etc) que viveu de 1899 a 1986. Borges por suas muitas atuações foi reconhecido e premiado e não vou me alongar nisto pois pode ser descoberto buscando informações sobre o escritor.

Li Ficções, publicado pela Companhia das Letras, tradução de Davi Arrigucci Jr. O livro em si pareceu impecável para mim, pequeno mas sem erros aparentes. E ao contrário das minhas outras leituras consegui ler Ficções em um único dia o que me deu visão total do livro.

Em Ficções - que é uma coleção de contos - foi publicado originalmente em 1944 e para mim mostra um Borges que aborda o fantástico, o filosófico, as reviravoltas como se fizesse crônicas. Alguns personagens e objetos parecem tão comuns como se fossem do trato pessoal do autor, inclusive são referenciadas de modo cruzado aparecendo em mais de um conto. Borges tem muitas referências numéricas, referências a datas, inclusive horas o que mostra como se ele quisesse localizar os fatos no tempo e isto meio que nos lança a realidade que ele vai subvertendo até reviravoltas espetaculares. Há referências a enciclopédias e seus verbetes e a bibliotecas e claro a livros, artigos e seus autores. Em vida, Borges era aficionado por enciclopédias, que é algo bem "primeira metade do século XX".

Imagem da lista dos contos do livro
Lista dos contos em "Ficções"
Borges escreve com um domínio invejável, aborda cada tema de modo direto como quem conversa com o leitor, como quem conta uma história face a face com frases eivadas de particularidades de uma conversa coloquial e daí eu entender o livro como bem escrito pois essas conversas estão bem concatenadas e sem falhas, é como ser conduzido pela mão em corredores infinitos e inesperados.

Pude notar que Borges, talvez por ter sido escrito na primeira metade do século XX, talvez por ser este mesmo o estilo do autor, não poupa seus personagens de seus destinos. O personagem que está em duelo é ferido, sangra e morre, o que está diante do pelotão de fuzilamento também não foge ao destino, não há saída mágica. Mesmo com as reviravoltas, com o fantástico, a realidade concreta e cruenta se impõe.

Foi estranho perceber Borges enfatizando fatos e coisas nos seus contos como se os tivesse visto. E na verdade ele os viu. Ele veio a ficar cego somente em 1954, quando eu soube pela primeira vez do autor lá pelos anos 80 e já era cego e eu supunha que ele havia sido cego a vida toda. No livro, nas primeiras páginas há esta foto de Jorge Luís Borges, já cego à época.

Foto constante nas primeiras páginas do livro - Borges sentado e rindo
Borges rindo...

 

segunda-feira, 28 de julho de 2025

Klink e Shackleton

Capa do livro Linha d'Água de Amyr Klink
Livro de Amyr Klink
Capa do livro A incrível viagem de Shackleton
Livro de Alfred Lansing

 Li dois livros, de forma não intencional, Linha-d'Água de Amyr Klink no qual ele descreve décadas na construção de navios, viagens náuticas diversas, problemas e desafios da navegação oceânica em terra e no mar, enfim esse estranho mundo náutico neste planeta tomado de oceanos. E o outro foi A Incrível Viagem de Shackleton de Alfred Lansing no qual descreve a viagem empreendida por Ernest H. Shackleton em 1914 que visava atravessar o continente antártico mas tornou-se uma luta hercúlea pela vida em ambiente extremamente hostil. 

Os livros invariavelmente abordam a região austral e o continente antártico e navios. Apesar de não relacionados, dá para notar uma inquietação em Klink pela navegação, o continente antártico, o Sul da América, a sede da viagem da exploração que em Shackleton beira à loucura. Loucura no sentido de tentar o inédito, de ser o primeiro, da exploração mas que diante de obstáculos incontornáveis preserva a vida de sua tripulação com grandes sacrifícios. Coisas que no conforto do século XXI cheio de recursos jamais imaginados de comunicação, navegação, construção náutica, etc, é necessária coragem além do razoável para levantar recursos e empreender tal aventura.

Ao se deparar com as agruras enfrentadas pela tripulação de Shackleton e o quanto foram provados em dificuldades de fome, intempéries, doenças, risco de morte constante e ainda assim conduziram a expedição esperando o melhor no início mas depois que chegaram a região foi como se tivessem  comprometidos ao sacrifício de suas próprias vidas. Mas nenhum navegador se perdeu. Infelizmente esse espírito de explorador de Shackleton o levou à morte quando 5 anos depois empreendeu nova expedição e veio a falecer por ataque cardíaco aos 47 anos na ilha Geórgia do Sul. A esposa, Emily, pediu para que ele fosse sepultado na ilha mesmo, no que foi atendida.

Sepultura de Shackleton na ilha Geórgia do Sul
Sepultura de Ernest H. Shackleton em Grytyiken, Geórgia do Sul

Já Klink que fez seus relatos de paixão pela navegação, empreendimentos os mais diversos para viabilizar projetos com dificuldades enormes desde a falta de cultura náutica nacional, política, crises econômicas, fornecedores pouco profissionais, ainda assim construiu seus barcos e fez suas viagens transatlânticas, de circunavegação global, várias viagens à região austral. Klink tinha família e ele e sua tripulação se abalavam a regiões distantes e mesmo com os recursos dos anos 1990 por vezes ficava tempos sem comunicação seja por estar em regiões sem cobertura seja por tempestades vultosas e imprevisíveis. Mas ninguém se perdeu.

Tanto Shackleton quanto Klink guardadas as devidas diferenças e proporções são expoentes do wanderlust náutico ? Com certeza que são. Mas aqueles que viveram no mar é que de fato podem reconhecer o valor, a dificuldade, a vitória sobre os impossíveis que empreender tais projetos.

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Viçosa do Ceará - Tianguá - Ubajara

 Depois de anos indo ao Ceará, mas somente pelo litoral cearense (Icaraí, Aquiraz, Camocim, Fortaleza) passei a frequentar a Serra da Ibiapaba (apesar de o nome mais correto tecnicamente é Planalto da Ibiapaba) e nessa região passei alguns dias entre Viçosa do Ceará, Tianguá e Ubajara.

Todas estas cidades e creio que se estender o raio de ação é de se esperar mais do que lá encontramos e encontramos uma forte produção de rural, bem diversificada, bastante opções de lazer e turismo (parques, fazendas, hotéis, pousadas, "praias", cachoeiras, etc.), culinária regional acessível e muita hospitalidade. Há de ressaltar que a geografia da região favorece por demais o turismo ao combinar diferentes cenários e pasmem baixas temperaturas que confundem os visitantes. O Nordeste brasileiro é famoso por suas altas temperaturas porém nos seus planaltos há temperaturas próximas a de zonas subtropicais e temperadas. O turismo esportivo associado a esportes como trilha e escalada tem muitas opções para competições e eventos.

Não passei em tempo muito longo na região, mas entendi essas cidades são bons locais para se morar, o custo de vida não parece ser alto e tendo um trabalho regular dá para se viver uma vida pacata e boa nessas cidades. 

Há muito o que se apresentar desta região mas para não ser exaustivo e mostrar somente um ponto de vista escolhi um dos aspectos da região que é a cultura do café. Há fazendas em que o café de diversas variedades (arábica, conilon, etc.) é plantado. Da última vez ficamos em Ubajara e fizemos um tour pela plantação de café da fazenda Engenho Velho.

O tour permitiu ver de modo completo todo o ciclo da café. Da plantação, colheita ao beneficiamento que consiste em secagem, limpeza, torragem e moagem. Na fazenda Engenho Velho a colheita os processos são todos artesanais, colheita manual e beneficiamento pois a produção é pequena. Depois de colhido os frutos do café são deixados para a secagem ao ar livre. Os frutos são secos para reduzir a umidade e facilitar o processo de descascamento. Depois da secagem vem o descascamento pois o grão do café é que é aproveitado. Depois de descascado os grãos são lavados e deixados para descansar (ou até fermentar). Nesta fase impurezas e grãos defeituosos são eliminados e depois vem a torra e a moagem. A torra é uma passo essencial pois o sabor e aroma do café são ressaltados. Se a torra for excessiva o café perde seu sabor original. E após a moagem o café pode ser moído e então a bebida café é feita via infusão de água quente no pó com filtragem. E temos o nosso cafezinho de todo dia. 






segunda-feira, 24 de março de 2025

A Firma - livro vs filme



O Livro

O Filme

Recentemente finalizei a leitura do livro A Firma do John Grisham e ao final do livro e me propus a assistir o filme A Firma (1993) estrelado por Tom Cruise e Jeanne Tripplehorn e dirigido por Sydney Pollack. Bem não há como não fazer comparações entre as obras. Adianto, mesmo sabendo que o livro foi publicado em 1991 e o filme foi apresentado em 1993, que mencionarei spoilers de ambas as obras.

Pois bem, o livro é muito bom, uma trama do mundo de advogados muito bem escrita e claro há alguns furos mas o livro por sua possibilidade de se estender na construção dos personagens e no desenvolvimento da trama tem muito mais recursos para se sobrepor ao filme. Mas o que me levou a escrever o post é que neste par específico livro/filme é que a adaptação do livro para o filme está cheia de divergências tanto no início, como no meio e no fim da obra. Ao contrário de algumas outras obras como O Diabo Veste PradaSilver Linings Playbook em que o filme não foge excessivamente do livro, mas em A Firma há muitas divergências. Vamos a elas.

No livro, o protagonista Mitch McDeere (Tom Cruise) é um brilhante formando de direito (Harvard Law School) que é selecionado e contratado pela Bendini, Lambert e Locke uma pequena firma de advogados, especializada no ramo tributário e sediada em Memphis (para os americanos a mudança de Cambridge para Memphis é significativa). A contratação no livro é mais cadenciada, com algumas etapas e no filme é muito avassaladora com Mitch praticamente deslumbrado aceitando a proposta. Na verdade a Máfia é a dona da firma.

Os sócios da firma.

No livro, Abby McDeere (Jeanne Tripplehorn) namorada/esposa de Mitch mantém atividade como professora em Memphis enquanto que no filme ela se torna uma esposa premium como são todas as esposas dos demais advogados da firma, no filme as esposas são meios de manter os maridos na linha e satisfeitos. No livro, pelo menos Abby tentar ter uma vida além de Mitch.

No livro, a relação de Mitch com seu irmão Ray, que está preso, é bem mais significativa e intensa. Ray é um gênio poliglota, mas no filme ele nem é sombra do que é no filme. No filme, Ray (personagem de David Strathairn) é muito figurante e sem expressão. Já no livro ele tem participação importante na fuga final. A libertação de Ray é um pontos inegociáveis entre Mitch e o FBI. No livro e filme a libertação se dá de forma diferente. No livro é uma fuga permitida, no filme é uma libertação que os espiões da Máfia ficam sabendo e que é um claro indicativo de que Mitch não está sendo se comportando como a firma deseja.

No livro, Mitch mesmo trabalhando exorbitantes 100 horas semanais vai gradativamente desconfiando e investigando suas suspeitas quando é contatado pelo FBI. A relação de Mitch com o FBI é extremamente conturbada, sem confiança de ambas as partes. O FBI é atrapalhado, descuidado e não confiável deixando o acordo com Mitch vazar. No filme, o FBI é de confiança apesar de pressionar Mitch.

No livro, Mitch consegue trabalhar com uma equipe paralela formada principalmente por Tammy Hemphill (Holly Hunter), Abby McDeere, Ray McDeere. No filme a equipe é reduzida e com papeis diferentes. No livro, Abby não tenta seduzir o Avery Tolar (Gene Hackman) que é uma parte bem patética do filme pois Avery sabe que a tentativa de Abby é somente para ajudar Mitch. No livro, Abby tem um papel importante ao fingir cuidar da mãe mas que na verdade ela fica nos bastidores viabilizando os preparativos para a fuga. Ao fingir cuidar da mãe Abby deixa Mitch sozinho e assim ele não tem que se preocupar com a segurança dela, pois a firma sempre ameaça as esposas para forçar os advogados a manterem o contrato. 

Em ambos, a firma é sucessivamente enganada apesar da muita vigilância, pressão, ameaças sobre os advogados.

Mas no desfecho é que a diferença se aprofunda. No livro, a gang de Mitch consegue fugir em um barco para as ilhas caribenhas, com muito dinheiro roubado da firma e ficarão escondidos e fora do radar por longos anos. O dinheiro do acordo com o FBI ele deixa para a família de Abby. A fuga ocorre sob muita tensão, apreensão e caçada tanto do FBI quanto da Máfia que é a verdadeira dona da firma de advocacia. Já no filme o final é bem insosso com Mitch brigando e vencendo um capanga e o chefe da segurança da firma. Ele entrega os papeis da firma ao FBI (cumprindo sua parte no acordo) que vai poder processar a firma por fraude postal e ele consegue continuar dentro dos EUA sem perder a sua licença de advogado, pois ele não quebra o acordo cliente-advogado, sem ser morto, como se fosse um cidadão cumprindo seu dever.

No livro, o suspense e o desenrolar dos fatos são muito mais interessantes, dinâmicos e ressaltam a esperteza da Mitch e seu grupo, enquanto o FBI faz um papel bem abaixo da média, já a Máfia e a firma continuarão matando os sócios que pisarem fora da linha. No filme, a grupo de Mitch é menor e menos ativo, o FBI não é descredibilizado e a Máfia é fraca e sem recursos fora do mundo da firma. 

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Voltando ao TTS


Há muito tempo atrás (revi o post e na verdade foi há 12 anos) eu escrevi sobre o TTS (clique aqui para ver post), esse filho esquecido da tecnologia. Digo isto pois aqueles que consomem áudio (rádio, podcast, audiolivros) parecem estar satisfeitos e quietos. É um nicho não visto, até porque com a explosão dos podcasts no Youtube não mexeu com esse grupo. Explico o podcast que explodiu no Youtube não é o podcast "raiz", original, que é constituído do áudio somente. Os podcasts do Youtube são na verdade entrevistas em vídeo com a opção eventualíssima de consumir somente o áudio. O podcast original é o áudio puro veiculado via protocolo específico. Por coincidência enquanto eu finalizava este post saiu este artigo do MeioBit (clique aqui) que repete basicamente o que eu afirmei acima.

Mas há os aficionados em audiolivros que é um segmento de tamanho razoável. Para atrair e oferecer um melhor produto, os audiolivros passaram a ser dramatizados, com leitores-narradores, efeitos sonoros, etc. Alguns livros lidos por alguns narradores tornaram-se um produto além do seu conteúdo, marcando definitivamente os leitores-ouvintes. 

Pois bem, um leitor-narrador, a dramatização do audiolivro, efeitos, etc tem custo adicional, logo não iria demorar que se utilizasse ferramentas para geração automática de audiolivros... e com um passo adicional a leitura traduzida de títulos para uma grande maioria de idiomas tudo rapidamente. Semanas atrás li o artigo do Fellipe Gomes no Medium e ele mostrou um código simples em Python pelo qual a partir de um livro em PDF em inglês publicado em um site, o texto é extraído, traduzido do inglês para o português e transformado em áudio. Quando li o texto, o Filipe ganhou tanto minha atenção quanto meu interesse. 

O mais espetacular que o Fillipe utilizou bibliotecas disponíveis que fazem todo o trabalho, bastando colocar no código e chamar suas funções. Foi assim que ele utilizou a deep-translate do Google Translator (sim, tem recursos de IA) com bons resultados em tradução. Só não abusar da API com textos muito longos. E a edge-tts do Microsoft Edge dentre outras. Esta edge-tts permite que você escolha a "voz" da leitura e normalmente disponibiliza uma voz masculina e uma feminina para cada idioma, no mínimo.

Como consumidor de audiolivros pensei: "Porque não transformar alguns livros em PDF em audiolivros" ? Boa oportunidade para mexer no Python. Então adaptei o código original e o rodei via Colab do Google, afinal o meu teste não precisava de grande poder de processamento. Pus uns arquivos PDF no Google Drive. Para o teste ser minimamente interessante codifiquei para que se indique o arquivo PDF, o idioma a ser traduzido e a voz para se usar no áudio. O código completo está disponível aqui no Github (clique aqui).

O resultado ficou maravilhoso na minha avaliação. No teste optei pela geração de somente 1 página dos PDFs para que eles não ficassem excessivamente pesados. Numa situação de obter o áudio de PDF grande a opção é dividir o PDF em partes para a geração não ficar muito demorada. Uma vez de posse dos áudios dá para colocar uma música de fundo... ideias, mas fica para outro momento. No meu teste utilizei publicações que estão em domínio público e recomendo que se mantenha o respeito às direitos de publicação e do autor. Utilizei pedaços pequenos (página 5) de "Animal Farm" - em inglês - (lançado no Brasil como "A Revolução dos Bichos") de George Orwell e "Confissões" - em português - de Agostinho. Ouça e tire suas próprias conclusões:

Animal Farm - texto original em inglês lido com a voz Yan no inglês de Hong Kong


Animal Farm - texto original em inglês lido com a voz Antônio no português do Brasil


Confissões - texto original em português lido com a voz Antoine no francês do Canadá

Confissões - texto original em português lido com a voz Francisca no português do Brasil

Vamos às vantagens e desvantagens desta técnica

Vantagens: 

1. Sim, é possível transformar PDFs, ePUBs, HTMLs e TXTs em áudio;

2. Sim, dá para traduzir razoavelmente bem e ainda escolher a língua e uma "voz" no qual será gerado o áudio.

3. Flexibilidade de obter publicações em vários idiomas e traduzir para em idioma preferido.

Desvantagens:

1. Livros com palavras hifenizadas terá sua leitura atrapalhada, para estes teria que acrescentar um tratamento para palavras com hífen;

2. No teste feito há uma clara limitação de processamento (Colab Google) para maiores demandas teria que fazer em um equipamento com maior poder de processamento.

3. A leitura está bem humana mas ainda há falhas na entonação de palavras complexas e ou falta de naturalidade em algumas partes.

=======

Referências:

Código em Python no Github - https://github.com/ilhado/TextToSpeech

Explosão dos podcasts no Youtube - https://meiobit.com/466053/youtube-mudou-midia-podcast-audio-para-video/

Fellipe Gomes no Medium - https://medium.com/@gomesfellipe