Li dois livros, de forma não intencional, Linha-d'Água de Amyr Klink no qual ele descreve décadas na construção de navios, viagens náuticas diversas, problemas e desafios da navegação oceânica em terra e no mar, enfim esse estranho mundo náutico neste planeta tomado de oceanos. E o outro foi A Incrível Viagem de Shackleton de Alfred Lansing no qual descreve a viagem empreendida por Ernest H. Shackleton em 1914 que visava atravessar o continente antártico mas tornou-se uma luta hercúlea pela vida em ambiente extremamente hostil.
Os livros invariavelmente abordam a região austral e o continente antártico e navios. Apesar de não relacionados, dá para notar uma inquietação em Klink pela navegação, o continente antártico, o Sul da América, a sede da viagem da exploração que em Shackleton beira à loucura. Loucura no sentido de tentar o inédito, de ser o primeiro, da exploração mas que diante de obstáculos incontornáveis preserva a vida de sua tripulação com grandes sacrifícios. Coisas que no conforto do século XXI cheio de recursos jamais imaginados de comunicação, navegação, construção náutica, etc, é necessária coragem além do razoável para levantar recursos e empreender tal aventura.
Ao se deparar com as agruras enfrentadas pela tripulação de Shackleton e o quanto foram provados em dificuldades de fome, intempéries, doenças, risco de morte constante e ainda assim conduziram a expedição esperando o melhor no início mas depois que chegaram a região foi como se tivessem comprometidos ao sacrifício de suas próprias vidas. Mas nenhum navegador se perdeu. Infelizmente esse espírito de explorador de Shackleton o levou à morte quando 5 anos depois empreendeu nova expedição e veio a falecer por ataque cardíaco aos 47 anos na ilha Geórgia do Sul. A esposa, Emily, pediu para que ele fosse sepultado na ilha mesmo, no que foi atendida.
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Sepultura de Ernest H. Shackleton em Grytyiken, Geórgia do Sul |
Já Klink que fez seus relatos de paixão pela navegação, empreendimentos os mais diversos para viabilizar projetos com dificuldades enormes desde a falta de cultura náutica nacional, política, crises econômicas, fornecedores pouco profissionais, ainda assim construiu seus barcos e fez suas viagens transatlânticas, de circunavegação global, várias viagens à região austral. Klink tinha família e ele e sua tripulação se abalavam a regiões distantes e mesmo com os recursos dos anos 1990 por vezes ficava tempos sem comunicação seja por estar em regiões sem cobertura seja por tempestades vultosas e imprevisíveis. Mas ninguém se perdeu.
Tanto Shackleton quanto Klink guardadas as devidas diferenças e proporções são expoentes do wanderlust náutico ? Com certeza que são. Mas aqueles que viveram no mar é que de fato podem reconhecer o valor, a dificuldade, a vitória sobre os impossíveis que empreender tais projetos.